OS SEUS OLHOS DE UM CASTANHO TÃO BRILHANTE NÃO PARECIAM ENTÃO OS DELA. Engasgava-se tentando engolir os gritos. Era sua primeira atuação em tal experiência e não estava disposta a parar depois que começara a ter algo próximo a um ritmo. Seus cabelos estavam molhados de um modo que não sabia que pudessem e o lençol não era mais o resultado do trabalho dos melhores fiandeiros, e, sim, somente a grama relva. O modo que sentia seu corpo ainda era desconhecido, mas implorava para que ele não parasse.
Ele que não devia estar lá naquele momento e sim a muitos quilômetros de distância, no front de uma batalha considerada perdida, mas que não seria entregue de beijadas mãos. Planos de como causar o máximo de dano ao inimigo estavam sendo traçados ao redor de fogueiras e ele não estava lá. Ela havia destrançado sua barba inteira, que se espalhava sobre o corpo dela, e a puxava com toda a força que tinha, uma vez que não podia acordar sua mãe e irmãs e amas.
O que fazer quando se é um dos soldados do Senhor Feudal e estee proíbe qualquer um que não sejam seus vassalos de sequer olhar para suas filhas? Já havia um ano que só trocavam olhares e mensagens por pombos-correios ou mesmo pessoas próximas, se encontrando em festas organizadas pelos altos círculos da realeza, onde até chegaram a dançar juntos em duas delas, sendo que, na segunda, trocaram o primeiro e único beijo até àquela noite.
Na noite anterior desta, ele se arrastou até a floresta dentro dos limites do feudo e lá se encontraram. Finalmente Senhor e Senhora e então voltando ao seus. Após a união, consideraram a noite antes do certame perfeita para que se encontrassem novamente e enfim se fizessem seus. Ele se esgueirou tarde da noite para uma cidadela escondida onde os não-militares foram guardados, levando nada mais do que uma espada, não podendo se dar ao luxo de carregar peso, uma vez que voltaria em quatro patas, para chegar antes da alvorada.
Chegaram ao paraíso juntos e sem fôlego algum. As unhas dela já haviam traçado mais caminhos em suas costas do que haviam no território inteiro, mas sua pele dura já ignorava tais marcas fazia tempo. Ele procurou abrigo para o rosto nos cabelos dela, sendo tenramente recebido com o mais singelo dos abraços. Não adormeceram, não podiam perder a hora, porém não trocaram palavra. Após momentos que duraram uma eternidade, ele tateou, procurando a espada com uma das mãos. Ela sentiu quando ele fechou a mão na bainha, certificando-se de que estava lá.
“Voltareis”, ela disse, sem olhar para ele, “não ireis?”
Ele levantou a cabeça e a olhou no fundo dos olhos.
“Não perguntai isso”, pediu.
“Vós sois meu esposo”, ela retrucou, sorrindo o mais belo dos sorrisos. “E eu, como vossa esposa e senhora, ordeno para que volteis vivo.”
“Vosso pai já deve ter vos dito que nossa vitória amanhã é praticamente impossível”.
Ela o esbofeteou como nenhum homem antes fora atingido.
“Não me contrarie!”
Presas já tomavam o lugar dos dentes. As pupilas já ferviam com sangue. Ela o puxou pela barba. “Se não podeis prometer voltar”, ela pediu com os olhos afundados nos dele, “ao menos, levai todos os malditos que puder ao inferno! Enquanto puderes respirar”, as palavras saíam entre dentes ao escorrer das lágrimas, “impedi ao máximo que tomem nossa terra, dos que vieram antes de nós e dos que vieram antes deles!”
Ela o beijou.
“Mas antes disso”, não se sabia mais onde cada um deles começava e terminava, “sejamos senhor e senhora mais uma vez”.
Muitos verões e luas se passaram. Os cabelos lisos já haviam começado a transitar do castanho ao alvo e estavam ao vento. Faziam anos que o frio não castigava de tal forma, mas passariam por mais este. Ela estava em um cavalo de guerra, com provisões e armas, e não esboçava reação às correntes de ar que se quebravam em seu rosto.
A montaria era puxada por um homem cuja barba branca e espessa cobria o pescoço, não sentia mais o peso da armadura sob as vestes e a espada era como uma pluma. O sol fazia esforço de se mostrar entre as nuvens, as isso não os afetava. Deviam chegar ao final do entardecer. E ele já conhecia muito bem o caminho até lá.
“Pensais em minha irmã, marido?”, a mulher perguntou.
Duas noites passadas ao embate, ele voltou com a velocidade de um mouro à cidadela e encontrou pouco que estivesse de pé. Voltou, já de arma em punho, à forma humana e procurou por onde pôde.
VARJA!, gritou a plenos pulmões com o pouco ar que ainda tinha. VARJA!
Corpos espalhados e cabanas terminando de ser consumidas pelas chamas. Crianças chorando ao lado e aos pés de pais degolados. Cabeças masculinas em varas de um a dois metros de altur e ainda podia-se ver uma pilha de espadas e escudos e lanças ainda em fogo.
VARJA!
“Meu senhor...”, ele ainda pôde ouvir. “Meu senhor, vos suplico”, ele foi até a voz, “sei onde está vossa senhora”, a voz estava fraca e quase se indo. “Ela nunca duvidou que o senhor voltaria.” Ele a tomou em braços. Os traços eram delicados, mesmo após a surra que levara após certamente... O cheiro em seu corpo entregara sua condição de ter sido brutalmente...
“Eles chegaram e não os vimos”, ela lutava para terminar de falar. “Tentamos lutar, mas eles eram mais fortes”, engasgava-se em seu sangue enquanto seus olhos castanhos padeciam. Podia ser uma ama, mas ainda era forte a ponto de conter as lágrimas ao se relatar a um superior. “Vossa senhora...”, ela disse, “Varja......”
“Eu sou Varja Skallagrim!”, ela gritou com uma espada longa em punho. “Filha de Önnur, filho de Otr, da linhagem dos senhores da casa de Bora!” Suas criadas não continham o desespero. “Eu sou Varja Skallagrim, esposa e senhora de Finnvid, filho de Herjolf!”
“Sim, esposa”, ele respondeu, “penso em vossa irmã”.
E seguiram em frente.
Ele que não devia estar lá naquele momento e sim a muitos quilômetros de distância, no front de uma batalha considerada perdida, mas que não seria entregue de beijadas mãos. Planos de como causar o máximo de dano ao inimigo estavam sendo traçados ao redor de fogueiras e ele não estava lá. Ela havia destrançado sua barba inteira, que se espalhava sobre o corpo dela, e a puxava com toda a força que tinha, uma vez que não podia acordar sua mãe e irmãs e amas.
O que fazer quando se é um dos soldados do Senhor Feudal e estee proíbe qualquer um que não sejam seus vassalos de sequer olhar para suas filhas? Já havia um ano que só trocavam olhares e mensagens por pombos-correios ou mesmo pessoas próximas, se encontrando em festas organizadas pelos altos círculos da realeza, onde até chegaram a dançar juntos em duas delas, sendo que, na segunda, trocaram o primeiro e único beijo até àquela noite.
Na noite anterior desta, ele se arrastou até a floresta dentro dos limites do feudo e lá se encontraram. Finalmente Senhor e Senhora e então voltando ao seus. Após a união, consideraram a noite antes do certame perfeita para que se encontrassem novamente e enfim se fizessem seus. Ele se esgueirou tarde da noite para uma cidadela escondida onde os não-militares foram guardados, levando nada mais do que uma espada, não podendo se dar ao luxo de carregar peso, uma vez que voltaria em quatro patas, para chegar antes da alvorada.
Chegaram ao paraíso juntos e sem fôlego algum. As unhas dela já haviam traçado mais caminhos em suas costas do que haviam no território inteiro, mas sua pele dura já ignorava tais marcas fazia tempo. Ele procurou abrigo para o rosto nos cabelos dela, sendo tenramente recebido com o mais singelo dos abraços. Não adormeceram, não podiam perder a hora, porém não trocaram palavra. Após momentos que duraram uma eternidade, ele tateou, procurando a espada com uma das mãos. Ela sentiu quando ele fechou a mão na bainha, certificando-se de que estava lá.
“Voltareis”, ela disse, sem olhar para ele, “não ireis?”
Ele levantou a cabeça e a olhou no fundo dos olhos.
“Não perguntai isso”, pediu.
“Vós sois meu esposo”, ela retrucou, sorrindo o mais belo dos sorrisos. “E eu, como vossa esposa e senhora, ordeno para que volteis vivo.”
“Vosso pai já deve ter vos dito que nossa vitória amanhã é praticamente impossível”.
Ela o esbofeteou como nenhum homem antes fora atingido.
“Não me contrarie!”
Presas já tomavam o lugar dos dentes. As pupilas já ferviam com sangue. Ela o puxou pela barba. “Se não podeis prometer voltar”, ela pediu com os olhos afundados nos dele, “ao menos, levai todos os malditos que puder ao inferno! Enquanto puderes respirar”, as palavras saíam entre dentes ao escorrer das lágrimas, “impedi ao máximo que tomem nossa terra, dos que vieram antes de nós e dos que vieram antes deles!”
Ela o beijou.
“Mas antes disso”, não se sabia mais onde cada um deles começava e terminava, “sejamos senhor e senhora mais uma vez”.
Muitos verões e luas se passaram. Os cabelos lisos já haviam começado a transitar do castanho ao alvo e estavam ao vento. Faziam anos que o frio não castigava de tal forma, mas passariam por mais este. Ela estava em um cavalo de guerra, com provisões e armas, e não esboçava reação às correntes de ar que se quebravam em seu rosto.
A montaria era puxada por um homem cuja barba branca e espessa cobria o pescoço, não sentia mais o peso da armadura sob as vestes e a espada era como uma pluma. O sol fazia esforço de se mostrar entre as nuvens, as isso não os afetava. Deviam chegar ao final do entardecer. E ele já conhecia muito bem o caminho até lá.
“Pensais em minha irmã, marido?”, a mulher perguntou.
Duas noites passadas ao embate, ele voltou com a velocidade de um mouro à cidadela e encontrou pouco que estivesse de pé. Voltou, já de arma em punho, à forma humana e procurou por onde pôde.
VARJA!, gritou a plenos pulmões com o pouco ar que ainda tinha. VARJA!
Corpos espalhados e cabanas terminando de ser consumidas pelas chamas. Crianças chorando ao lado e aos pés de pais degolados. Cabeças masculinas em varas de um a dois metros de altur e ainda podia-se ver uma pilha de espadas e escudos e lanças ainda em fogo.
VARJA!
“Meu senhor...”, ele ainda pôde ouvir. “Meu senhor, vos suplico”, ele foi até a voz, “sei onde está vossa senhora”, a voz estava fraca e quase se indo. “Ela nunca duvidou que o senhor voltaria.” Ele a tomou em braços. Os traços eram delicados, mesmo após a surra que levara após certamente... O cheiro em seu corpo entregara sua condição de ter sido brutalmente...
“Eles chegaram e não os vimos”, ela lutava para terminar de falar. “Tentamos lutar, mas eles eram mais fortes”, engasgava-se em seu sangue enquanto seus olhos castanhos padeciam. Podia ser uma ama, mas ainda era forte a ponto de conter as lágrimas ao se relatar a um superior. “Vossa senhora...”, ela disse, “Varja......”
“Eu sou Varja Skallagrim!”, ela gritou com uma espada longa em punho. “Filha de Önnur, filho de Otr, da linhagem dos senhores da casa de Bora!” Suas criadas não continham o desespero. “Eu sou Varja Skallagrim, esposa e senhora de Finnvid, filho de Herjolf!”
“Sim, esposa”, ele respondeu, “penso em vossa irmã”.
E seguiram em frente.
:: conto de Rafael Alexandrino Malafaia ::
:: 18 de setembro de 2012 ::
:: a pronúncia correta do nome da protagonista – Varja – é Vária, uma vez que, no nórdico antigo – tal qual no alemão –, o “j” tem som de “i” ::
:: Önnur – pronúnica Oénnuár ::
:: Otr – pronúnica Otár ::
:: 18 de setembro de 2012 ::
:: a pronúncia correta do nome da protagonista – Varja – é Vária, uma vez que, no nórdico antigo – tal qual no alemão –, o “j” tem som de “i” ::
:: Önnur – pronúnica Oénnuár ::
:: Otr – pronúnica Otár ::
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