quarta-feira, 26 de setembro de 2012

HOMENAGEM (ATRASADA) AOS ONZE ANOS SEM NIRVANA [texto de 2005]

ONDE NÃO EXISTE CARNAVAL

“Eu tenho um coração.”
– Renato Russo, na letra de “Aloha”, presente no álbum A Tempestade ou o Livro dos Dias, de 1996

Às vezes, na vida de todas as pessoas, nós apenas sentimos, sem saber explicar estes sentimentos em relação ao mundo e às pessoas ao nosso redor, e, inclusive e acima de tudo, a nós mesmos e como encaramos tudo o que vivemos.
Todavia, algumas pessoas têm o maravilhoso Dom de expressar estes sentimentos em forma de pintura, dança, poesia, música, etc. e algumas poucas realmente conseguem expressá-los em poesia e em música, e, através das mesmas, juntas e de uma só vez, conseguem abrir e tocar os nossos corações de tal maneira que nunca mais esqueceremos.
Ele conseguiu de tal forma fazer isso com os adolescentes do início da última década do século passado – e ainda consegue fazer com muitos jovens de hoje, apesar dos Linkins Parks e Evanescences da vida – que ainda permanece e para sempre estará como um ícone que se mantém intocado como seus imortais antecessores, que – ao contrário dele – partiram sem dizer adeus, e – como ele – de forma trágica e estúpida. Aparentemente e para sempre sem uma razão aceitável.
Mito. Herói. Amigo. Rebelde. Louco. Contestador. Adorável. Amoroso. Delicado. Determinado. Muitos adjetivos pelos quais pode-se defini-lo. Tão igual e tão diferente de nós. Porém, através de seus atos e de suas obras, não permitia que nos sentíssemos (e que nos sintamos) sozinhos. Tal qual em canções de outras bandas, ao ler-se algumas de suas letras, é possível concluir “eu não estou sozinho! Eu não sou o único/a única a me sentir assim no mundo!”, de tal forma que era (e é) impossível não se sentir aliviado, e, ao mesmo tempo, entorpecido. Não é todo dia que uma banda consegue fazer uso com suas canções. É realmente impossível não ter se sentido pelo menos uma vez na vida como ele se sentiu e descreveu em suas letras, possuidoras de incomum capacidade de consolar, emocionar, enlouquecer, acordar, assustar, destruir, querer gritar bem alto – tudo isso junto e muito, muito mais!!! Bem, seria muito lugar-comum, demasiadamente simples confirmar isso; entretanto como já dito: “é mais fácil falar do que sentir.” E como é...
Ele servirá de guia para futuras gerações de jovens solitários, inconformados, incompreendidos e desorientados, com um mundo todo contra eles. Pois eles terão o mais importante: as músicas e as letras, e – o mais importantes – a essência e os sentimentos presentes nas mesmas para orientá-los. Assim como ele – e como todos nós – terão seus corações e deverão ouvi-los, quando a razão e a lógica não forem suficientes para se resolver os problemas que a vida traz e nos joga na cara.
O nome dele é Kurt Donald Cobain, ou simplesmente Kurt Cobain, que, junto a Krist Novoselic e Dave Grohl – separadamente, já que juntos, formavam o NIRVANA – marcaram seus nomes na história da música, e, com suas canções, as vidas de muitos e muitas jovens, para o bem ou para o mal. E esses muitos e essas muitas fazem absoluta e concreta questão de não pensar o que seria caso o trio vindo de Seattle não tivesse aparecido sob os holofotes o mesmo surgido, já que suas vidas podem ser divididas em “antes do Nirvana” e “depois do Nirvana”. Impensável.
Afinal, tudo tem um fim. Inclusive as “explicações” de como Kurt, Krist e David conseguiram mudar os cursos dos rios chamados música e mentalidade juvenil, porém, escrita com todo o coração, após o assistir de um tributo aos mesmos, que foi um dos maiores “power trios”, tal qual os Três Patetas, o Cream, o Jimi Hendrix and the Experienced, Krisiun, Engenheiros do Hawaii até 1993, entre muitos outros.
Mas, eu não sei. Eu, sinceramente e honestamente, espero de todo o meu coração detonado por causa de cigarros e de (adoráveis e amáveis e destruidores e assassinas) bebidas alcóolicas (desculpem, mas eu AMO beber, entretanto nem sempre o que se ama é bom e faz bem – meus neurônios mortos e minha coordenação motora afetada que o digam) que este texto possa fazer sentido para alguém; um sentido honesto, verdadeiro e sincero e tudo o mais que possa tocar um coração, assim como as canções do Nirvana tocaram o meu, já que ou humano e, como tal, sinto raiva, angústia, medo, fraqueza, desespero, afeto, respeito, orgulho, tristeza e todos os sentimentos que somente nós, as mais fantásticas e estúpidas criações que Deus pôs na Terra, podem desfrutar e aprender com elas.
Kurt, Krist, Dave: Nirvana, obrigado por tudo!
Kurt, onde você estiver, espero que tenha conhecimento desta (“humilde”? “modesta”?) homenagem de um fã, que tentou, ao menos, traduzir em palavras, o que ele e muitos fãs por todo o mundo sentem por você e por sua obra.

Atenciosamente,
Rafael Alexandrino Malafaia
abril de 2005

sábado, 22 de setembro de 2012

[sem título]

Alina já está angustiada. Vão dar onze horas e o filho ainda não apareceu. Já ligou para todos os números que pôde e ainda não conseguiu notícias dele. Nem seus amigos sabem onde está. E pior é esconder o medo frente aos convidados, que já perguntaram todos por ele. Nem ela, nem o marido nem o casal de filhos sabe dizer onde está. O celular dele só dá fora de área.

Depois de caminhar praticamente dezenas de quilômetros, finalmente chega à sua casa. Procura a chave pelos bolsos antes de então lembrar-se que está presa a um cordão em seu peito. O retira e enfim, em um instante, o portão está aberto. De lá até a porta é um momento. Quando vai pegar na maçaneta, percebe que a porta está aberta. Só faz empurrá-la. Entra. Está urrando de fome, segue direto para a cozinha no mesmo tempo em que retira o capuz e solta os longos cabelos negros como petróleo, na altura dos pulsos, que chegam a quase cobrir totalmente a grande mochila que está em suas costas. Ele não a vê sentada no sofá. Ele está com tanta fome, tão cansado que, mesmo se ela passasse ao seu lado, não iria percebê-la. Ele passa tão rápido que ela quase não nota. Ela levanta a cabeça.
– Posso saber onde o senhor estava a essa hora, rapazinho? – ela começa.
Mas ele nem a ouve. Está amplamente concentrado em sua fome, seguindo para a cozinha, indo direto para a geladeira. A abre, enfiando a cara dentro dela, procurando afoitamente alguma coisa, encontrando somente refrigerante e uma carne preparada por ele no dia anterior. Seguindo para o forno, encontra algo parecido a uma lasanha e o resto de uma torta salgada. Coloca tudo em cima da mesa antes de procurar alguma vasilha grande para poder colocar tudo aquilo. Ela ainda não percebeu que ele não a ouviu, curva a cabeça para o lado para tentar vê-lo, em vão. Balança a cabeça antes de finalmente levantar-se e ir atrás dele. O vê procurando algo no armário. Ainda está com a mochila nas costas.
– Eu te fiz uma pergunta e exijo uma resposta – ela diz. Ele não ouve, “onde ‘tá aquele maldito pacote de batata frita que escondi aqui?”, ele diz, antes de encontrar. – Estou falando com você, mocinho. – novamente o silêncio. Ela vai até ele e o pega pelo braço. – Augusto Radagásio Kalemberg-Malafaia, eu estou falando com você. – ela o balança, antes dele finalmente percebê-la.
– Ei, mãe – ele diz, antes de tirar os cabelos que cobriam os ouvidos e retirar os fones que lá estavam. – Eu num te ouvi. Algum problema?
– Onde você estava até essa hora? – ela pergunta, raivosa e preocupada.
– Eu vim andando lá do Centro de Convenções – ele começa a responder. – Vocês não disseram que iam ‘tá lá e pra eu ir lá com vocês? Pois é, eu fui e dei de cara com o centro fechado e, como num tinha um tostão pra pegar ônibus, vim andando. – se solta do braço da mãe e começa a colocar a comida na vasilha.
– Você... veio... andando?!? – Ela está realmente admirada. – Lá do Centro de Convenções? Por quê você não ligou pra gente ir te buscar? E... Falando em ligar, cadê seu celular?!? – ela pergunta. Ele olha sério para ela, de modo altamente reprovador. Não responde. Acaba de colocar tudo o que vai comer, vai procurar um talher. – O quê foi? – ela questiona. – Onde está o celular que teu pai te deu? – Após colocar a colher dentro da gororoba, ele pega vasilha e a garrafa de refrigerante. Ela o pára com a mão. Ele continua com o mesmo olhar. – Por quê essa cara?
– A senhora sabe muito bem que eu não uso essas coisas – ele começa, mais do que sério. – E eu não uso justamente porque eu não gosto. Eu já não gosto de usar computador, quanto mais essas coisinhas que fazem ligações, que mais parecem rastreadores. – ele se esquiva dela e finalmente vai para a sala.
– Então porque você não ligou aqui pra casa? – ela pergunta, seguindo-o, já está gritando.
– Pra quê? – ele retruca sem virar-se para ela. – Eu nunca sei quando ‘cês ‘tão em casa! Eu passo dias, semanas sem ver vocês e como é que eu vou saber quando ‘cês ‘tão em casa?!? A Ilíada disse que todos vocês estariam lá no Centro, por isso que fui pra lá depois do alemão! – sentou-se no sofá e procurou o controle da TV.
Ela postou-se frente à TV. “Você fez isso só pra ver a gente?!?”, ela questiona. Não acredita no que ouviu. Ele já está irritado. Expira longamente. “Olha”, começa, “mãe... por favor... não deixa meu dia pior do que já foi, tá legal?”?, ele pede. Ela tira o controle da mão dele. “Não deu pra gente ir”, ela diz. A raiva dele aumenta. “Ah, claro, que nem na apresentação da minha banda na Feira da Cultura desse ano e da Bienal do Livro?”, ele começa. Ela azeda.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O ÚLTIMO ANOITECER CHUVOSO

“Não me importo com a fama de bebum acabado
Não importa o tempo que ainda falta pro fim
Soube que sai mais de uma vez carregado, e, mesmo com a chuva, eu dormi no jardim
Eu já estou acostumado a ser mal tratado por mim”

– Matanza, “O Bebum Acabado”, Odiosa Natureza Humana, 2011

NEM SE ELE QUISESSE, poderia ver o que estava acontecendo. A ladeira onde estava deitado estava quase coberta de água e ele não acordaria a tempo até ser tarde demais – isso se acordasse. O céu estava tão de um violeta tão intenso e aterrador quanto nunca antes e nunca antes havia chovido daquele jeito. Só vestia uma bermuda preta, os bolsos rasos estavam vazios e os cigarros estavam completamente destruídos, o isqueiro inutilizado. A pele branca estava sendo coberta pela água suja de barro e poeira. Onde seus calcanhares? Onde uma de suas mãos – já que a outra pousava sobre o estômago – e ouvidos? O córrego já formado estava prestes a cobrir sua tez já avermelhada e sua boca coberta pela barba escura como a noite que estava prestes a terminar, mas cuja manhã seguinte seria acinzentada. A garrafa que trouxera, apesar de seca, já havia se perdido pela correnteza. Sem nenhum sonhar e somente a escuridão.
D’outro lado do estado, seus pais rezavam, imaginando como estava e o que fazia, sua irmã estava em outro extremo do país, trabalhando por uma das muitas multinacionais terceirizadas do governo. A mãe e o pai rezavam de mãos dadas ao pé da cama pelo casal. Não somente eles, mas outros de tantas filhas e filhos que não sabiam como os seus também estavam naquele momento. A viagem fora de quase dois dias, sendo relativamente rápida pela reforma recente das rodovias. Não é porque receberam notícias assim que se chegaram é que vão ficar facilmente calmos, afinal, desde quando o mundo é mundo, pais são pais, mães são mães, e crias são crias. Alguns mais preocupados do que outros. Umas muito mais arteiras do que outras. Cidades e vidas não param. E assim como o dia dá lugar à noite, o velho, dá, de alguma forma, lugar ao novo.

A quase três mil pés de altura, eles decidiram iniciar o ataque, não podiam permitir que pousassem o avião, pois o ataque à Floresta Sagrada seria inevitável. Já sabiam que estavam sendo aguardados e que, juntos, não poderiam ser detidos por nada – muito menos pelos melhores deles também reunidos. Se haviam Ovelhas lá, junto a eles, que fosse. Eram números. A existência e a persistência de uma das últimas Florestas Sagradas era muito mais importante do que a deles, já que seus grandes números eram uma das causas de existirem tão poucas delas. Através de olhares e sinais de mãos, decidiram como e quando atacar para que tivessem o melhor rendimento possível. Não podiam permitir que eles saíssem da aeronave. Não importasse o preço.

O dia tinha tudo para ser perfeito, se o final não desse tão errado. Quando começou a chover, ele já estava lá, sentado, prestes a perder todos os sentidos. Não conseguia parar de dizer o nome dela. Os cabelos castanhos claros dela refletiam a luz de forma a causar inveja em loiras. Ela já estava com tanta raiva e tão decepcionada com suas palavras e ações que não quis nem o olhar em olhos quanto em todo – e ainda faltavam mais quatro dias para o fim do evento. Aqueles olhos tão amendoados quanto as mechas sabiam esconder raiva e frustração; ela sabia como sorrir de modo tal cândido e cativante mesmo sendo implodida internamente por uma ogiva de centenas de megatons. E ele estava tão a par disso que nem mais lhe dirigira a palavra, preferindo sumir do lugar, mesmo desconhecendo que ela – vá entender as mulheres! – o queria embaixo de seu nariz e em seu campo de visão, para ter certeza de que, mesmo enraivecida, ainda tinha certeza de que ele estava a salvo de si mesmo.
Dizem que as desgraças são covardes, pois só vêm acompanhadas. Como não convém à narrativa dizer quais se sucederam com o casal em decorrência de outras, cabe aqui dizer que ele não soube agir com a maturidade devida ao encarar as mesmas. Ele ficou sentado de costas para onde todos estavam, pensando em muito e em como fazer – sem sucesso algum, devido ao efeito do tanto de álcool que já consumira em tão pouco tempo. A maioria já nem se importava com seu estado, pois, ninguém sabia explicar convincentemente como, sempre conseguia voltar vivo das piores “bad trips”, todavia com seqüelas nada invejáveis e acreditaram que, daquela vez, não seria diferente. Algumas garotas o olhavam pelo portão. Quando começou a chover, enfim passaram a se preocupar com ele, mas o resto disse que não seria diferente, que ele dormiria bêbado na chuva, mas que voltaria inteiro no dia seguinte, como se nada houvesse acontecido.

A batalha havia sido intensa. Iniciada com gritos de guerra dentro da aeronave, alguns dos inimigos haviam sido destruídos antes de notar o que acontecera, mas não sem baixas do lado atacante. Humanos no meio do combate entre adversários desde antes destes saírem das cavernas? Baixas de guerra e nada mais do que estorvo e comida para animais de estimação. Se alguns deviam morrer para que famílias e locais milenares pudessem perdurar, que morressem aos montes! O interior dos três andares da nave já havia sido banhado em sangue de inimigos e inocentes. Não era o bom combate que ambos os lados gostavam de travar, mas, enquanto uns lutavam por sobrevivência até chegar ao local de verdadeira peleja, outros lutavam para que estes não o fizessem. Era impossível que lideres organizassem suas tropas em tal campo de batalha, era cada um por si e todos por todos, mesmo que os metamorfos fossem muito mais organizados em batalha do que os sanguessugas e apesar dos primeiros não lutarem juntos de tal modo há mais gerações do que até mesmo ábacos podem contar.

Neste momento, como já dito, nem se ele quisesse, poderia ver e sentir quando foi retirado do canal quase coberto de água e esgoto, então quase cobrindo seu rosto. Não podia sentir o calor ao seu redor quando estava nos grandes braços redondos da bombeira que o encontrara. Carros e caminhões por todos os lados. O fogo estava prestes a ser controlado devido à ajuda da chuva até então torrencial, a maior registrada nas últimas décadas. Estava amanhecendo, mas sabiam que o sol ainda iria a demorar a surgir dentre as nuvens; isto é, se o fizesse ainda aquele dia. Era um milagre alguém ter sido encontrado – e ainda respirando! Todos queriam vê-lo, muitos já com lágrimas nos olhos. Não carregava identificação alguma, todavia, pelos traços e notável falta de cuidados, concluíram ser mais um dos muitos mendigos que estava perambulando pela cidade pelos últimos tempos. Mas estava vivo, e isso era importante.
Não se sabia como e muito menos o porquê, um avião comercial de três andares havia caído no meio de uma grande cidade do interior do estado, destruindo não somente um quarteirão, mas inclusive, além de um bairro onde moravam de cerca de trinta famílias, uma escola de ensino fundamental, onde, segundo fontes confiáveis, cerca de trezentos estudantes universitários estavam alojados para o Encontro Estadual de Estudantes de Letras do ano em questão. Todos mortos com o impacto da nave no solo. Levaria muito tempo para tanto os moradores e graduandos quanto os passageiros e tripulação serem identificados. Eram tantos que não se sabia nem a quem se priorizar. Muitos dos corpos estavam completamente destruídos e seria preciso que muito fosse feito para que fossem de fato reconhecidos. Exames, investigações, entrevistas, muito. A notícia veio como um choque para o mundo inteiro. Teóricos da conspiração se reuniram como nunca antes, enchendo os fóruns da internet e bares perdidos em becos. Cultos ecumênicos e específicos foram celebrados em diversos países. Por muito, isso tornou-se o assunto principal de muitos jornais dignos de nota ou mesmo sensacionalistas. Muitas perguntas, poucas respostas. Informações divulgadas pela metade, quando eram. Ninguém sabia de nada e, em pouco tempo, até autoridades foram proibidas de falar sobre.

A missão fora um sucesso. Os inimigos que completariam a força de ataque foram interceptados, mesmo com o heróico sacrifício dos que se dispuseram a subir a bordo. Os heróis seriam lembrados devidamente após a batalha seguinte, pois os sanguessugas não deixariam de lutar por algumas baixas ainda que muito importantes, estavam determinados a vencer e a destruir aquela Floresta Sagrada a qualquer custo. Os metamorfos sabiam que a próxima peleja também não seria nada fácil para eles – mas nada, desde sua origem, nunca fora fácil. E eles não podiam querer que, naquela tarde ainda tempestuosa, o que consideravam um forte sinal de vitória vindoura, fosse diferente.



:: conto de Rafael Alexandrino Malafaia ::
:: 05 de março de 2012 ::

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

ENEL 2012: As Mil Mães Adolescentes Mortas

Luzes apagadas e enfim o show mais esperado do evento porque singuém sabia o que esperar a primeira apresentação dos paraenses do As Mil Mães Adolescentes Mortas, divulgando o primeiro álbum, Invasão Nórdica ao Show de Punk Rock Hardcore. E então o sliêncio sepulcral antes das notas iniciais de Guiados pela Constelação das Presas do Lobo antes da enfim porradaria de Javali, emendada com Cavalice Extrema e fechando com Martelo que te Partam, quando Minhoca, o vocalista, apresentou a banda e agradeceu a oportunidade de serem convidados a tocar em um evento do porte do ENEL, ressaltando que nunca estiveram tão deslocados. E eis que o pessoal ficou indeciso entre entrar na roda ou cantar junto em Não Estamos Preparados, emendada com a “panterosa” Valquíria (Massacre Freyr), abrindo para a ultra-rápida Chuva de Lanças. Aqui percebe-se o entrosamento da banda que, mesmo não tocando o álbum na ordem certa, ainda faz soar bastante destruidor ao vivo. “Vão se foder, cristãos”, berrou Garou, guitarrista, “porque esta se chama Paraíso Perdido na Casa do Caralho!”, promovendo bateção de cabeça geral, com inúmeros metal horns em riste. O “momento piada” foi em Créu Velocidade 666 e Os Vagabundos Só Querem Surfar (cuja letra foi inspirada no filme Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola), marcadas pela bateria tocada na velocidade da luz por Trilha-de-Sangue, que transformou Muralha de Escudos em uma martelada sonora maior do que já é. Apesar de ser basicamente cantada e acompanhada pela bateria, foi impossível não se emocionar com o hino Harokin/Einherjar, guiada pelo baixo de Pëixë e dedicada ao pai de um amigo da banda, hospitalizado. Para fechar o set antes do bis, Novo Mundo (a lá Bad Religion) e, por fim, a “ode" ao Pará, Soberania, que, segundo a banda, é a resposta deles à Belém, Pará, Brasil, dos seus conterrâneos do Mosaico de Ravena. No bis, o pessoal ainda tinha gás para a roda em Bleeding Heart Disease, do NOFX; para banguear em Creeping Death, do Metallica, e, por fim, cantar em uníssono We’ll Meet Again, clássico de Vera Lynn regravado até por Johnny Cash, que certamente foi o ponto máximo dos shows do evento. Que venha o próximo ENEL e, nele, mais uma apresentação d’As Mil Mães Adolescentes Mortas!

SETLIST
Guiados pela Constelação das Presas do Lobo
Javali
Cavalice Extrema
Martelo que te Partam
Valquíria (Massacre Freyr)
Chuva de Lanças
Paraíso Perdido na Casa do Caralho
Créu Velocidade 666
Os Vagabundos Só Querem Surfar
Muralha de Escudos
Harokin/Einherjar
Novo Mundo
Soberania

BIS
Bleeding Heart Disease (NOFX)
Creeping Death (Metallica)
We’ll Meet Again (Vera Lynn)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

VARJA!

OS SEUS OLHOS DE UM CASTANHO TÃO BRILHANTE NÃO PARECIAM ENTÃO OS DELA. Engasgava-se tentando engolir os gritos. Era sua primeira atuação em tal experiência e não estava disposta a parar depois que começara a ter algo próximo a um ritmo. Seus cabelos estavam molhados de um modo que não sabia que pudessem e o lençol não era mais o resultado do trabalho dos melhores fiandeiros, e, sim, somente a grama relva. O modo que sentia seu corpo ainda era desconhecido, mas implorava para que ele não parasse.
Ele que não devia estar lá naquele momento e sim a muitos quilômetros de distância, no front de uma batalha considerada perdida, mas que não seria entregue de beijadas mãos. Planos de como causar o máximo de dano ao inimigo estavam sendo traçados ao redor de fogueiras e ele não estava lá. Ela havia destrançado sua barba inteira, que se espalhava sobre o corpo dela, e a puxava com toda a força que tinha, uma vez que não podia acordar sua mãe e irmãs e amas.
O que fazer quando se é um dos soldados do Senhor Feudal e estee proíbe qualquer um que não sejam seus vassalos de sequer olhar para suas filhas? Já havia um ano que só trocavam olhares e mensagens por pombos-correios ou mesmo pessoas próximas, se encontrando em festas organizadas pelos altos círculos da realeza, onde até chegaram a dançar juntos em duas delas, sendo que, na segunda, trocaram o primeiro e único beijo até àquela noite.
Na noite anterior desta, ele se arrastou até a floresta dentro dos limites do feudo e lá se encontraram. Finalmente Senhor e Senhora e então voltando ao seus. Após a união, consideraram a noite antes do certame perfeita para que se encontrassem novamente e enfim se fizessem seus. Ele se esgueirou tarde da noite para uma cidadela escondida onde os não-militares foram guardados, levando nada mais do que uma espada, não podendo se dar ao luxo de carregar peso, uma vez que voltaria em quatro patas, para chegar antes da alvorada.
Chegaram ao paraíso juntos e sem fôlego algum. As unhas dela já haviam traçado mais caminhos em suas costas do que haviam no território inteiro, mas sua pele dura já ignorava tais marcas fazia tempo. Ele procurou abrigo para o rosto nos cabelos dela, sendo tenramente recebido com o mais singelo dos abraços. Não adormeceram, não podiam perder a hora, porém não trocaram palavra. Após momentos que duraram uma eternidade, ele tateou, procurando a espada com uma das mãos. Ela sentiu quando ele fechou a mão na bainha, certificando-se de que estava lá.
“Voltareis”, ela disse, sem olhar para ele, “não ireis?”
Ele levantou a cabeça e a olhou no fundo dos olhos.
“Não perguntai isso”, pediu.
“Vós sois meu esposo”, ela retrucou, sorrindo o mais belo dos sorrisos. “E eu, como vossa esposa e senhora, ordeno para que volteis vivo.”
“Vosso pai já deve ter vos dito que nossa vitória amanhã é praticamente impossível”.
Ela o esbofeteou como nenhum homem antes fora atingido.
“Não me contrarie!”
Presas já tomavam o lugar dos dentes. As pupilas já ferviam com sangue. Ela o puxou pela barba. “Se não podeis prometer voltar”, ela pediu com os olhos afundados nos dele, “ao menos, levai todos os malditos que puder ao inferno! Enquanto puderes respirar”, as palavras saíam entre dentes ao escorrer das lágrimas, “impedi ao máximo que tomem nossa terra, dos que vieram antes de nós e dos que vieram antes deles!”
Ela o beijou.
“Mas antes disso”, não se sabia mais onde cada um deles começava e terminava, “sejamos senhor e senhora mais uma vez”.

Muitos verões e luas se passaram. Os cabelos lisos já haviam começado a transitar do castanho ao alvo e estavam ao vento. Faziam anos que o frio não castigava de tal forma, mas passariam por mais este. Ela estava em um cavalo de guerra, com provisões e armas, e não esboçava reação às correntes de ar que se quebravam em seu rosto.
A montaria era puxada por um homem cuja barba branca e espessa cobria o pescoço, não sentia mais o peso da armadura sob as vestes e a espada era como uma pluma. O sol fazia esforço de se mostrar entre as nuvens, as isso não os afetava. Deviam chegar ao final do entardecer. E ele já conhecia muito bem o caminho até lá.
“Pensais em minha irmã, marido?”, a mulher perguntou.

Duas noites passadas ao embate, ele voltou com a velocidade de um mouro à cidadela e encontrou pouco que estivesse de pé. Voltou, já de arma em punho, à forma humana e procurou por onde pôde.
VARJA!, gritou a plenos pulmões com o pouco ar que ainda tinha. VARJA!
Corpos espalhados e cabanas terminando de ser consumidas pelas chamas. Crianças chorando ao lado e aos pés de pais degolados. Cabeças masculinas em varas de um a dois metros de altur e ainda podia-se ver uma pilha de espadas e escudos e lanças ainda em fogo.
VARJA!
“Meu senhor...”, ele ainda pôde ouvir. “Meu senhor, vos suplico”, ele foi até a voz, “sei onde está vossa senhora”, a voz estava fraca e quase se indo. “Ela nunca duvidou que o senhor voltaria.” Ele a tomou em braços. Os traços eram delicados, mesmo após a surra que levara após certamente... O cheiro em seu corpo entregara sua condição de ter sido brutalmente...
“Eles chegaram e não os vimos”, ela lutava para terminar de falar. “Tentamos lutar, mas eles eram mais fortes”, engasgava-se em seu sangue enquanto seus olhos castanhos padeciam. Podia ser uma ama, mas ainda era forte a ponto de conter as lágrimas ao se relatar a um superior. “Vossa senhora...”, ela disse, “Varja......”

“Eu sou Varja Skallagrim!”, ela gritou com uma espada longa em punho. “Filha de Önnur, filho de Otr, da linhagem dos senhores da casa de Bora!” Suas criadas não continham o desespero. “Eu sou Varja Skallagrim, esposa e senhora de Finnvid, filho de Herjolf!”

“Sim, esposa”, ele respondeu, “penso em vossa irmã”.
E seguiram em frente.

:: conto de Rafael Alexandrino Malafaia ::
:: 18 de setembro de 2012 ::
:: a pronúncia correta do nome da protagonista – Varja – é Vária, uma vez que, no nórdico antigo – tal qual no alemão –, o “j” tem som de “i” ::
:: Önnur – pronúnica Oénnuár ::
:: Otr – pronúnica Otár ::

sábado, 15 de setembro de 2012

Resenha de HQ: THE ASTOUNDING WOLF-MAN

Eu poderia estar lendo Bukowski, Scher, Rodrigues, Goethe, Campbell, Rilke ou Sartre. Não. Depois das notícias que tive hoje, só tomando aquele banho e lendo o monte de HQ’s que li que acabei achando num site que volta e sempre, ‘tô freqüentando, e já até traduzi e revisei umas traduções de HQ’s pra lá – o Gibiscuits.

The Astounding Wolf-Man. Eis mais uma forra valendo da Image (sim, a editora de Spawn, CyberForce, Gen13 e outros caralhos que não valem o que o gato põe na areia), que vem até dando umas forras valendo estes tempos, não somente por Astro City e The Walking Dead, mas também por City of Heroes (super-recomendada), Liberty Meadows (série super show do Frank Cho!), Dead Space (baseada no game homônimo), G.I. Joe (Comandos em Ação; conhece? [era HQ da Marvel nos anos 1980, mas deixa quieto]), Tomb Raider (sim, do filme baseado no videogame), Lucha Libre (sim, do desenho que passava na SBT), entre outros bem legais, ao contrário daquelas...... porras que eram publicadas aqui no Brasil pela Abril e pela Globo e que o pessoal achava o suprasumo das HQ’s modernas.
‘Tá, vamos lá.
The Astounding Wolf-Man. Criação conjunta de Robert Kirkman, no roteiro, e Jason Howard(olha o sobrenome do infeliz! #risos), nos desenhos e arte-final. O plot é sobre um Gary Hampton, CEO duma empresa que ‘tá passando por momentos complicados, e, durante uma viagem a um camping com a família, é mordido por um lobisomem e, POW!, acaba se tornando um deles. Simples, não? Não necessariamente por é ai que começa o bacanal de referências, indo de a outros heróis das HQ’s – o protagonista usa seus poderes no combate ao crime (Homem-Aranha), ensinado por um tutor (Demolidor) em um QG cheio de traquitanas tecnológicas e até mesmo um carro para se locomover pela cidade [Batman), que está em um mundo cheio de vilões superpoderosos (Procurado), que são enfrentados por equipes de super-heróis que aparecem a torto e a direito (AstroCity) – junto a homenagens aos diferentes lobisomens que já passaram pelo cinema (antes do Lobisomem, com o Benicio Del Toro, de 2010) e mais um caldeirão de referências sobre o misticismo dos Lobisomens (os autores devem ter feito a história com o Lobisomem: um Tratado sobre Casos de Licantropia, do Sabine Baring-Gould, do lado) inclusive às inúmeras que faz ao RPG Lobisomem: O Apocalipse. E, sim!, pra terminar o caldeirão, o logo do uniforme (!!!!!!!) do herói É uma referência desgraceira aos Thundercats!
Esqueça este lance de arcos aqui, a história é contínua e se você perdeu um número, corre atrás, porque a coisa fica toda esburacada e sem sentido lá pra frente, ainda mais com os flashbacks que sempre amarram o momento seguinte a um lá no começo. Além do que, prepare seu saco, é um monte de reviravoltas, todas bem amarradas e que, lendo da segunda vez, até que fazem seu sentido e como contribuem para a trama. É misticismo, super-heróis (um zilhão de referências na cara), teoria da conspiração a nível governamental e essa merda toda que o Kirkman, de certa maneira, até que consegue amarrar de modo inteligível. Todavia, a arte do Howard não ajuda muito, o traço realmente não é dos mais convincentes pro que a história pede, chegando a, em muitos momentos, ser “cartoon network” em demasia (ou seja, muito ao contrário de I Kill Giants, da mesma editora), irritando bastante o leitor.
AH! Como é uma história com um personagem de histórias de terror, tem uma referência morta da sua obviamente aloprada ao H.P. Lovecraft. Mas isso você só vai descobrir quando ler.

Clique AQUI! para encontrar seu link para download no Gibiscuits.

F*cking enjoy!

domingo, 2 de setembro de 2012

contos dos Garou: incompleto e sem título

“Well, open the past and present now and we are there, story to tell and I am listening.”
– Green Day, “Scattered”, Nimrod, 1997

– APAREÇA, SEU MALDITO BASTARDO ESTÚPIDO! Você é bom em estuprar noivas, quero ver como se sai contra o noivo de uma delas! Venha!
Qualquer humano que se aproximasse dele poderia muito bem ser derrubado por seu bafo de álcool. Trajava somente o que conhecemos hoje como bermudas e os pés estavam afundados dentro da lama que já cobria a grama. Gritava contra o vento e brandia uma espada contra a chuva. Havia tantas ou mais cicatrizes em seu corpo do que pelos em seu rosto e cabelos em sua cabeça. Não havia ninguém em um raio de quilômetros e, a um raio de quilômetros, podiam ouvi-lo gritar a plenos pulmões, convocando seu adversário para um embate e parecia não cansar de gritar.
“Maldito sede vós, demônio miserável!”, ele uivava. “Destruir-vos-ei primeiro pela minha dama e depois por todas as mulheres e famílias que já desonrastes em vossa vil e tenebrosa existência!”
Dia? Noite? Entardecer? Perdera a noção do tempo.
Estava com sua matilha no continente em uma missão para o Líder da Seita, o que o impediu de vir imediatamente assim que fora informado sobre sua noiva. Nunca o viram tão furioso e tão desfocado de seus afazeres quanto naquele período, mas não a ponto de pôr a missão a perder – localizar uma colméia de Espirais Negras e destruir os irmãos Paco Pisada-Podre e Piera Sorriso-Perdido, devido terem contaminado a água que abastecia uma vila de Parentes e muitos terem morrido em conseqüência. A Meia Lua – e também alfa – teve uma grande dificuldade em acalmá-lo e fazê-lo ficar focado em seus afazeres, mesmo estando tão furiosa quanto seu ômega, e prometendo ajudá-lo no que fosse possível em sua vingança. Foi o mês mais longo da vida do Lua Crescente, os dias se arrastavam e o tempo parecia não passar. Como naquele tempo, a comunicação estava a anos-luz de ser em tempo real, seu coração estava cada vez mais apertado pelo desespero por não ter notícias e, por isso, cada vez mais tomado pela Fúria. Mal conseguia falar e não conseguia pensar direito devido à embriaguez da cólera, mal conseguindo se comunicar com espíritos, que temiam sua presença e, assim, dificultava ainda mais a missão ser completada.
Por sete sóis e por sete luas, esperou, em pé e sem baixar a espada. Tudo parecia perdido e a espera ter sido em vão, expirou por entre os dentes, já como presas, e saiu da posição de batalha iminente. A ponta da espada encostou à grama, antes do corpo se virar para ir embora e voltar para o seus. Após alguns passos, seus ouvidos levantaram e os pêlos da nuca arrepiaram-se como nunca dantes, o pulso girou a espada para que ficasse em posição de ataque. O vento parou por um momento que parecia ser interminável até ele sentir a presença em suas costas e atacar mais rápido do que um raio.
A lâmina atingiu nada além do vazio. Mas o Lua Crescente tinha certeza que havia algo ou alguém lá que devia ser temido de fato. Temido, enfrentado e derrotado. Girando a espada, expandiu sua percepção para procurar presenças além da sua, o que só confirmou que não estava sozinho. Mas seja o que fosse, não se mostraria tão fácil para ele. E a sensação de que estava sendo observado só lhe dava a certeza de que o inimigo que viera combater estava próximo, não precisando se dar ao trabalho de atravessar a Película para alcança-lo, uma vez que já havia procurado com todos os espíritos e outros Theurges, além de vários tipos de bruxos (até mesmo os malditos Sanguessugas, antes de enfim fazer-lhes o favor de destruí-los) informações sobre o deflorador de mulheres prometidas. E, mais uma vez, sentiu a presença junto à sua, fazendo-a atacar tão rápido quanto seu habilidade permitia, de modo que olhos humanos não poderiam acompanhar. Desta vez, não atingira o vazio.

“Não, você não vai sozinho!”, os olhos castanhos dela queimaram. “Nós somos uma matilha e nós vamos acabar com este maldito juntos!”, Pele-Pintada-de-Sangue trovejou de um dos lados da fogueira. “Ela pode até não ser Parente, mas ela ainda é sua mulher. Ou seja, o que aconteceu com ela é problema nosso”. A matilha só passou a discutir sobre o que fazer quanto ao problema da esposa de Barba-Queimada. Realmente, fazia tempo que tal problema já havia chamado a atenção dos Garou locais, mas ainda não tinham se movido para resolvê-lo até então, e mesmo a chegada dos Fenrir e sua tomada do caern dos Rios Lamacentos, pertencente aos Fianna da região hoje conhecida como Wolverhampton, do não havia mudado tal cenário. Não até o problema chegar à então noiva do Lua Crescente, que havia sido prometida a ele quando este e sua matilha ainda eram uma matilha de proteção do caern do Escudo Quebrado do Protetor.

[continua!]